Quadros numa galeria

Na semana que passou, causou revolta em muita gente a declaração do dono de uma marca famosa de que não queria ver pessoas gordas usando as roupas de sua grife, porque ele quer que suas lojas sejam frequentadas apenas por pessoas bonitas. Olha o que disse o cara (que por sinal é bem feio):

"Em todas as escolas existem os adolescentes que são populares e descolados, e existem os que não são. Nós vamos atrás do primeiro grupo, que possuem atitude e muitos amigos. Muitas pessoas não pertencem a nossa marca e não podem pertencer. Nós somos excludentes? Totalmente".

Na verdade, pra mim, esse tipo de postura não é novidade. Acho que desde que me tornei adulta, tenho consciência de ter um corpo que não é o padrão: gorda, alta e de pés grandes. Com esses três atributos, aprendi uma técnica que é a de passar pelas vitrines de lojas de roupas e calçados como quem passa diante de obras de arte em uma galeria: pode-se gostar ou não deles, mas com a certeza de que eles jamais serão seus.
Como não ando descalça e pelada, como imagino que senhores como esse lá daquela grife gostariam, acabei encontrando aqui e ali formas de me vestir e me calçar, a duras penas. 
Imagino que já deve ter alguém aí pensando: "Mas por que ela não compra nas lojas especializadas para gordos e para mulheres de pés grandes?"
Calma, gente, não é tão fácil assim. Alguém já parou pra olhar os modelitos que estão à venda nas lojas de roupas para gordas? Em primeiro lugar, esqueça as roupas de algodão, tudo é feito de tecido sintético. Imagino que essa opção deva ser baseada na crença de que se nós, gordos, suarmos bastante dentro dessas roupas sintéticas e quentes, vamos acabar emagrecendo...
Os modelos também são de chorar. Tudo muito convencional, peças próprias de guarda-roupa de senhoras já avançadas na idade. Tá, eu sei que estou velha agora, mas nunca gostei de me vestir de modo muito convencional e não vai ser agora que vou começar a usar vestidinhos de jérsei bem comportados.
É muito difícil encontrar algo mais alegrinho, menos sisudo. É de deprimir qualquer um.
No capítulo dos sapatos, confesso que chego a sentir até algum alívio de que não façam calçados femininos acima de 39, porque eu não tenho muita vocação para saltos altos e brilhos. Mas ficar condenada a escolher, na vitrine masculina, algum calçado que me convenha, também é triste.
Enfim, minha gente, mesmo antes da declaração infeliz daquele senhor mencionado no início, eu sempre me senti excluída desse mundo das pessoas que escolhem roupas e calçados à vontade nas vitrines. O cara apenas escancarou o que quase todas as marcas já praticam desde que eu me entendo por gente.
Como sempre, continua um inferno achar roupas e sapatos pra mim. E duvido que isso vá mudar.

Comentários

  1. Perfeito professora Ana. Sou fora dos padrões e isso me exclui, entretanto, vou me virando conforme posso. Parabéns pelas sábias palavras. Um abraço Elba.

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  2. Esse "cara" que fez essa declaração, explora mão-de-obra barata, para manter seus cofres cheios. Essa é mais uma forma excludente!

    Gostei do pôster, Ana!

    Abraço.

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  3. Ana concordo com vc em todos os gêneros, números e graus e pior quando vc fica olhando as peças de museu(por que não?) vem uma "colaboradora" e diz: aqui não tem nada pra vc não, bem"! Algumas vezes respondi: 'nossa tenho filhas até mais magrinhas que vc, mas nesse caso é melhor ver em outro lugar". Elas ficam doidinhas, coitadas, pq esquecem que por trás de uma gorduchinha pode haver umas magreluchinhas necessitando de roupas. É um despreparo total dessas incautas mocinhas que colaboram para aumentar o mealheiro do patrão. Ótimas tuas reflexões, grande beijo!!!

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  4. Ana, impossivel discordar de quaisquer das constatações trazidas em seu texto, todas muito apropriadas e muitas, muitas vezes discutidas por aqui. Mas independente da seriedade do assunto, acabei as gargalhadas pela pronta identificação. Eu tenho uma técnica própria: entro e pergunto qual a maior numeração ofertada; se for, pelo menos, três acima da minha arrisco uma olhada mais demorada. Na verdade deixei de sofrer tanto há alguns anos, quando passei a comprar todas as minhas roupas numa única loja, com boas opções, mas a um custo empobrecedor - mas pelo menos entro e as vendedoras que já me conhecem trazem exatamente o que pode me agradar e, especialmente, servir. Agora, impossível não perceber o sofrimento de crianças e adolescentes, fora desses padrões tão estreitos e com pouca estrutura emocional para se permitirem encarar situações constrangedoras com leveza. Abraços.

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  5. Ana, acho isso bem interessante. Ao mesmo passo que um porta-voz de grife diz isso, sempre tive o seguinte discurso e atitude: Só usarei roupas com marcas estampadas, selos ou etiquetas no dia em que me pagarem o equivalente ao que pagariam a um outdoor. Como gordo desde sempre privilegio o conforto (mesmo esse quase nunca sendo aliado da elegância estética). Assumo que elegância é atitude, gentileza e educação, ao contrário do que insistem em pregar esses arautos.

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  6. O tal da grife: um babaca completo.
    A professora, com todo meu respeito, linda de todos os ângulos.
    Abraços do ex aluno Altamiro.

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  7. Ana, eu ri :-D Pois te entendo, e achei uma delícia ler seu texto passando um recado sério mas com ponderação e com tanto bom humor sobre o assunto. Meu pé agora tá entre o 39 e o 40, tá difícil viu rsrsrs...

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  8. Realmente, suas palavras nos fazem refletir sobre essa discriminação, outro dia vendo um panfleto de uma loja nova, algo que me chamou a atenção foi uma modelo fora dos padrões usando a mesma roupa das magrinhas, o empreendedor que tiver essa visão irá conquistar a muitos... fica aí a reflexão nesse tema... Beijos Nádia (vi a chamada do seu blog pelo face da minha amiga Alleid)

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