Toní


Esta é uma postagem atípica, em que não vou reclamar de nada, mas sim expressar uma gratidão a alguém a quem jamais pude fazer saber o quanto lhe sou devedora.
Em meados dos anos 80, eu passei por um período de crise. Muitas mudanças aconteceram, e eu estava bastante confusa sobre os rumos que daria à minha vida.
Foi então que decidi procurar ajuda de uma psicóloga. Pergunta daqui, pergunta de lá, acabei chegando à Toní. Começava ali uma relação que se estenderia por longos 7 anos.
No início, eu relutei muito, usando todo o meu arsenal de racionalidade e me armando contra qualquer tentativa de interpretação das minhas palavras, dos meus sonhos, das minhas atitudes.
Houve um dia, entretanto, em que Toní finalmente me fez ver que a resistência também significava. A partir dali, tudo mudou.
Uma das lembranças mais vívidas que tenho é a de Toní tentando me convencer a adotar a aquarela como uma forma de expressão menos controlada racionalmente. Segundo ela, como sempre trabalhei com as palavras, a expressão verbal em mim era sempre produto de uma elaboração racional, mantida sempre sob controle absoluto.
Lidei com aquelas cores que escorriam junto com a água, mas nunca senti que tenha feito algo que valesse a pena naquelas folhas de papel canson.
Os anos se passaram, eu superei a crise e, 7 anos depois de iniciadas as sessões, Toní e eu chegamos à conclusão de que já era hora de tocar sozinha a minha vida.
Desde então, tenho passado por situações muito boas e outras muito ruins, mas tenho conseguido manter um razoável equilíbrio. E sinto que, na raiz dessa estabilidade, estão aqueles 7 anos de sessões com a Toní, aprendendo a me conhecer melhor e a gostar mais de mim.
Quando penso nela, hoje, tenho um sentimento de gratidão muito grande, mas tenho também a certeza de que não poderei nunca expressar isso para ela.
Decidi fazer então este post, para pelo menos ficar aqui um testemunho público dessa gratidão.
Para terminar, queria também dizer que penso finalmente ter encontrado uma forma de expressão não verbal e portanto menos controlada racionalmente: a fotografia. A câmera, para mim, ocupa o lugar que imagino ter sido aquele pensado por Toní quando me sugeriu a aquarela: a expressão das minhas intuições e da minha sensibilidade, não controladas racionalmente. Mais uma razão para ser grata à Toní.
Por isso é que este post começa e termina com fotos. Essas imagens, para mim, representam momentos em que consegui produzir quadros que me agradam, mesmo sem ter noção de como isso aconteceu. Intuitivamente, apertei o botão da câmera com o enquadramento que escolhi sem pensar muito, e o resultado me deixou feliz. Era isso, então, Toní?
Obrigada, mais uma vez.



PS - Quando escrevi este post, a Toní estava num hospital, em estado terminal. Eu não quis falar disso no texto, para evitar uma exposição inútil dessa situação tão difícil que ela vivia. Ontem, domingo, 25 de setembro, ela faleceu.

Comentários

  1. Ana. Emocionante! Linda homenagem. Da minha parte, sinto (não racionalmente) que ela estará recebendo a sua mensagem... Marlise

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  2. Oi Anaaa
    eu tb sinto isso. algumas palavras funcionam como chave.
    beeijo
    marina miyazaki araujo

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  3. Que lindo, Ana. O texto, que honra uma pessoa e uma parte importante de sua vida, e as fotos, que demonstram uma sensibilidade instintiva.

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  4. Nossa, Ana, lindo! Há uns anos atrás, antes de sair de Assis, tive uma Toní na minha vida... sempre pensei em escrever pra ela dizendo o quanto aquele um ano tinha sido essencial, mas tb não consegui. Talvez envie o link deste seu último post...
    bjs,
    Telma

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  5. Que belas palavras de homenagem!!! Palavras que deixariam qualquer Toní emocionada e tb agradecida...
    Bjs,
    Karina

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  6. Pois é Ana. Nesta vida, sempre estaremos precisando de alguém para nos ouvir, para nos aconselhar e nos entender. Afinal, somos seres passíveis de falhas, de medos e de auto-aceitação. Mas nunca devemos deixar de lutar contra todas as coisas que nos fazem recuar perante a vida, só assim seremos capazes de sairmos vencedores desta jornada. Felicidades hoje e sempre!

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  7. Obrigada a todas vocês! Fico feliz de saber que, já que a Toní não lerá este post, outras pessoas saberão da minha gratidão a ela!

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  8. Linda homenagem, Ana! Aposto que a Toni estará sempre presente, de uma maneira ou de outra, em todas as lindas imagens que vc fizer.

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  9. Toda argumentação lógica possível nos indica que Toní não leu e não lerá as suas palavras tão bonitas - em letras e imagens. No entanto, ao longo daqueles anos, ela soube. Uma outra coisa boa é que a lógica é uma derivação do nosso raciocínio absurdamente falho.

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  10. Eu imaginei, mesmo, ao ler esse texto, que seria uma homenagem póstuma. Uma pessoa que deixa uma contribuição como a descrita por você, para o mundo, viveu.
    Beijo, querida.

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  11. Fico mt feliz por saber que há pessoas que reconhecem e valorizam esse trabalho!! Me sinto grata por ler isso e agradeço, inclusive em nome da Toní!!!
    bj

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  12. Ñ sei realmente o que dizer, apenas obrigada por compartilhar, obrigada por emocionar ...

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  13. Obrigada, mais uma vez, pelos comentários aqui!

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  14. Tudo tem sua hora. Teve a hora da Toní te ensinar e te ajudar, teve a hora de você agradecer, teve a hora dela partir. Ela fez diferença pra você, e você faz diferença para todos que tem oportunidade de conviver com você.
    Beijo.

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  15. Ana, que Toní viva em seu testemunho, vida e ensinamentos eternizados como este post!

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  16. Ana, só li hoje este texto. Durante a leitura meu coração apertou, meus olhos encheram de água. Ao chegar ao final, vi o P.S... entendi melhor sua homenagem e desandei a chorar. Não me lembro da última vez que chorei, muito menos lendo um post. Acho que preciso seguir a dica da Toní... uma aquarela e papel canson, por uma vida menos engessada e racional. Obrigada pelo texto.

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  17. Sílvia, obrigada pelas palavras tão gentis... Fico feliz que o meu post tenha falado assim com você!

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  18. Também não pude deixar de me emocionar! aproveito para reverenciar a "minha Toní"
    bejin bejin joão

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