Cheiro de mexerica

Dia desses comprei algumas mexericas. Estavam saborosas, suculentas, cheirosas.

Enquanto comia uma delas, fiquei pensando bobagens: como era incrível poder ter ali na mão um gominho cheio de suco de tangerina, fresquinho, pronto pra ser consumido, sem grande dificuldade.

Tá, eu sei que tem gente comprando mexerica já descascada, pra facilitar o serviço e evitar aquele cheiro característico que fica impregnado nas mãos quando as descascamos. Mas, para mim, o aroma do sumo nas mãos é parte da coleção de sensações que essa fruta me proporciona.

O cheiro da casca, para mim, ativa sempre a lembrança do meu avô paterno. Explico.

Esse meu avô, que tinha sido seleiro, era um homem calado, meio voltado pra dentro. Andava pela casa sempre cantarolando canções que ninguém conhecia. Aquele murmúrio de bocca chiusa era uma das marcas da sua presença.

A outra era o cheiro do fumo de corda, que ele picava pacientemente nos dedos amarelados, antes de enrolar na palha o seu cigarrinho. Suas mãos sempre cheiravam a tabaco.

Mas na época das mexericas, o aroma de tabaco se  misturava ao do sumo da casca da fruta, que ele comia aos poucos: guardava a tangerina meio comida numa gaveta em que ficavam suas coisinhas e de vez em quando tirava de lá um gominho, comia e depois pitava seu cigarrinho. A mexerica era sua "boca de pito".

Às vezes eu pegava um gomo pra mim e sempre me admirava de como a pele em torno dele ficava quebradiça e ressecada, de tanto tempo que a mexerica ficava guardada, aberta, na gaveta, mas mesmo assim o suco ali estava, prontinho pra matar a minha sede.

Como era na mesma gaveta que ele guardava o rolo de fumo e os demais apetrechos de seu ofício de tabagista, a tangerina ainda vinha com um leve aroma de tabaco, mas eu não ligava. Aquela mistura era, para mim, a identidade do meu avô.

Comentários

  1. Lindo texto, Ana! Deu até vontade de ter nas mãos o cheiro da mexerica. Beijinhos!

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